quarta-feira, 18 de junho de 2008

Cantar con el alma, versão “50 anos de Liceu”

Josep Carreras e Lorenzo Bavaj, no concerto de 17 de junho
Foto: divulgação

O tenor está em sua terra, seu palco, sua casa, na noite do mundo, na noite quente de seu país petit. Os olhos que escuto nas ondas de sua voz velha conhecida, límpida e pura como me chega na transmissão do rádio, estão cheios. Imagino como brilham, desdobrados em lembranças. É uma festa particular na alma, ao lado da festa de toda a gente. O pianissimo que todos esperam é mais fundo, talvez. Minha respiração presa, do outro lado do oceano, adivinha-lhe os menores gestos faciais, pequenas peculiaridades como respirar franzindo o nariz e, em seguida, engolir em seco enquanto olha para cima. Sinais de fumaça que, com os anos, aprendemos a reconhecer, e que denunciam seu estado de espírito. Talvez esteja nervoso, mas a distância encurtada me segreda que não, hoje não.

Già il sole dal Gange
Più chiaro sfavilla,
E terge ogni stilla
Dell’alba che piange
.

(Frente a frente, atada por um fio de silêncio ao menor gesto, foi essa a primeira que o vi cantar, numa bela noite de julho, há 17 anos, em Buenos Aires.)

No palco do Liceu de Barcelona ele está sozinho, apesar do piano e seu pianista. Só com sua alegria, com aquele sentir que está presente em cada acorde que modula e solta no ar, um ar que parece sempre admirar-se e envolver-lhe as notas num sopro de doçura. Sim, a doçura está lá, talvez como nunca tenha estado antes, não que eu me lembre. Tem algo de vivo, de uma criança guardada e de repente alforriada com toda aquela típica energia que quer brincar, subir, descer, correr por toda parte, sem parada. Mas o homem e sua voz tomam-na pela mão, ternamente, e toda aquela ânsia de liberdade se acalma, transfigurada em música, na melhor música que a sua tessitura e técnica podem produzir.

Vorrei bacciar i tuoi capelli neri
le labbra tue e gli occhi tuoi severi...

É nesse palco que toda a vida se passa, e ele sabe disso, neste momento tão pactuado e tão ansiado. Estão ali os amados e os amigos, os convidados de honra, os muitos fãs, gente mais próxima ou mais distante. Agora, porém, estão todos juntos numa espécie de abraço, um tipo de prece, a celebração amorosa da música e da paixão.

Lá está Josep Carreras, com seus olhos sábios, sua beleza sóbria, o refinamento que é o seu modo de ser. Um príncipe, a quem por tesouro tocou a música, a mais pura, a mais sentida, a mais apaixonada, a mais delicada e muitas vezes a mais forte. O sentimento, alma e pátria do seu canto, flui em cada instante, em cada respirar das canções. Em cada palavra que redesenha com seu fraseado, famoso pela perfeição irretocável. Nesse palco iluminado, para usar uma expressão que a memória do nosso samba consagrou, e nem por isso menos válida no terreno da lírica. E não pelos holofotes esperados, ou por artes de algum importante iluminador. Mas por essa luz que vem de dentro, de dentro de Josep Carreras, junto com a voz que paralisa o tempo, derrete as princesas de gelo, abraça, murmura... e nina, suave, os melhores sonhos de todos nós.

Si, comm'a nu sciorillo
tu tiene na vucchella
nu poco pocorillo appassuliatella.

Nos braços da voz de Josep Carreras, toda canção sucumbe, misteriosamente encantada. Scarlatti, Tosti, Puccini, Guastavino ou Gardel jamais serão os mesmos depois de hoje, depois desse palco, dessa emoção a um tempo contida e declarada, quando em ouro se transformam todos os acordes e as lembranças, o som de tudo o que por ele foi cantado neste e em outros teatros, óperas, recitais, concertos, canções. E mais uma vez Carreras, só e imenso no centro desse palco que é em si uma vida, oferece-nos, como um poema, a beleza que só a sua arte é capaz de criar neste mundo.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Carreras e o Liceu: é hoje o recital dos 50 anos

A Praia de San Sebastiá, em Barcelona: à espera de Josep Carreras
Foto: TV3

Barcelona se prepara para mais uma grande homenagem a Josep Carreras: hoje à noite, a praia (e não a praça) é do povo, que acudirá em peso à retransmissão do recital que o tenor dedica aos 50 anos de uma relação mais que amorosa com o Gran Teatre del Liceu de Barcelona, sua primeira casa operística - e obviamente, por razões sentimentais, uma das mais queridas.

A Praia de San Sebastiá acordou assim: pronta para, daqui a algumas horas, receber o público. O concerto, que começa às 20h, será retransmitido às 21h45 para o telão gigante montado na praia e também pelo canal TV3 da Televisió de Catalunya.


Foram disponibilizadas 2.000 cadeiras na praia; os ingressos, gratuitos, foram retirados pela população a partir do dia 12 e se esgotaram rapidamente. Manifesta-se assim, com em outras vezes, o grande amor que o povo de Barcelona tem por esse filho tão zeloso por sua pátria-mãe.

Foi assim em 1988, quando Josep, tendo vencido a leucemia, organizou um grande concerto para marcar a criação da Fundação Josep Carreras para a Luta contra a Leucemia; e foi assim também no palco do Liceu, na mesma época. Carreras, que julgou poder passar incógnito em uma apresentação da ópera Fedora, com Plácido Domingo e Renata Scotto, foi alçado pelos protagonistas ao palco para, segundo ele próprio, uma das maiores ovações de toda sua vida.

Hoje, aos 61 anos e em pleno exercício de sua arte e de sua obra humanitária, Josep Carreras mais uma vez se rende aos braços de Barcelona. Homenagens, uma grande exposição no hall do Teatro (que vai até 31 de julho e já está sendo disputada por outras casas no mundo todo),o recital, as transmissões pela TV, rádio e internet, cinco programas da Rádio Catalunya Música dedicados a óperas que protagonizou, artigos na imprensa... tudo isso, além de merecido, é comovente porque demonstra cabalmente o apreço e o reconhecimento da sua terra a um dos maiores tenores que o mundo da ópera já conheceu.

Duas rádios transmitem o recital ao vivo, a partir das 20h: www.catalunyamusica.cat e www.catclassica.cat. A partir das 21h45, esses mesmos websites mostrarão as imagens da retransmissão, alternando-se entre o palco do Liceu e a Praia de San Sebastiá.

A entrevista concedida por Josep Carreras, no último domingo, ao programa "Una tarda a l'ópera", da Rádio Catalunia Música, será resumida no intervalo da transmissão radiofônica. Acompanhei, registrei tudo o que me permitiram meus parcos conhecimentos da língua catalã, e prometo apresentá-la aqui, em forma de artigo, depois que se acalmarem as emoções da tarde-noite de hoje (tarde para nós, do hemisfério sul, e noite em Barcelona).


Vale conferir o programa do recital e participar desse momento histórico, com a providencial ajuda da tecnologia. Para os fãs do Brasil e da América Latina, vale lembrar que o fuso horário é de cinco horas a menos. Nesse caso, as transmissões começam às 14h55.

A todos, um bom espetáculo!

Recital Josep Carreras
Piano: Lorenzo Bavaj

Programa

Alessandro Scarlatti
Già il sole dal Gange
O cessate di piagarmi
Pasquale Mario Costa
Era de Maggio
Francesco Paolo Tosti
Segreto
Sogno
O dolce meraviglia!
Giacomo Puccini
Terra e Mare
Menti all'avviso
Eduard Toldrà
Festeig
Cançó del grumet
Carlos Guastavino
La rosa y el sauce
Carlos Gardel
Lejana tierra mía
Salvatore Gambardella
O Marenariello
Nicola Valente
Passione
Gaetano Lama
Silenzio, cantatore
Furio Rendine
Vurria

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Dia 17/6 tem recital também na Internet

Transmissão do concerto merece cartaz - Foto: Liceu

Como boa fã, estou encantada com as comemorações dos 50 anos de Carreras no Liceu de Barcelona.

Na próxima terça-feira, 17 de junho, às 20 horas, acontece o momento maior da festa: um recital especial de Josep Carreras, acompanhado pelo pianista Lorenzo Bavaj, um de seus colaboradores de muitos anos.

A envergadura do evento é tão grande que a organização concebeu uma interessante arquitetura para que todos - estejam onde estiverem - possam paricipar desse momento da carreira do tenor.

No mesmo dia, às 21h45, hora de Barcelona, as forças da tecnologia se unem em torno da emoção: o recital será transmitido para o público num telão gigante instalado na Plaça del Mar, como anuncia o cartaz acima. E com direito a assentos, que podem ser retirados gratuitamente pelos barcelonenses em vários pontos, relacionados na página dedicada ao evento, no site do Teatro Liceu.

Quem preferir assistir em casa receberá as imagens pelo canal TV3, da Televisió de Catalunya. E a TVCi, o canal internacional do grupo, estenderá a tranmissão para vários países.

Além disso, duas rádios na web permitirão que fãs do mundo inteiro, como eu e muitos outros, possam participar. Basta nos conectarmos a http://www.catalunyamusica.cat/ ou http://www.catclassica.cat/. Mas atenção: nas duas emissoras, a transmissão radiofônica começa às 19h55, ou seja, cinco minutos antes do início do concerto no Teatro Liceu.

Não é maravilhoso que a tecnologia, que algumas pessoas reputam fria, possa abrir suas portas à arte e ao sentimento, conectando energias de tantos lugares e transportando-nos, todos, a um grande momento de comunhão como este?

No próximo dia 17, portanto, ajustem os seus fusos horários à hora de Barcelona. E estejamos todos com Josep Carreras.

Recital

Terça-feira, 17 de junho - 21 horas e 45 minutos, hora de Barcelona

Josep Carreras, tenor
Lorenzo Bavaj, piano

Gran Teatre del Liceu de Barcelona
TV3
TVCi
www.catalunyamusica.cat
www.catclassica.cat

sábado, 7 de junho de 2008

50 anos de paixão

Em 1958, aos 11 anos, ele era assim. Na foto com Magda Pruneda, sua professora de música, está vestido com o costume com que debutou no palco do Gran Teatre del Liceu de Barcelona, na ópera "El Retablo de Maese Pedro", de Manuel de Falla.

Em 2008, a sua casa presta a Josep Carreras a mais justa das homenagens: uma exposição que retrata sua trajetória artística nos últimos 50 anos e um concerto no próximo dia 17, que tem tudo para ser dos mais emocionantes, celebram uma vida de arte e beleza, marcada pela dimensão humana do artista e por seu amor por um teatro onde, mesmo antes de cantar, tomou a decisão de dedicar-se à música.

Para dar uma boa medida da importância e da emoção dos eventos que comemoram esse jubileu, este blog publica aqui o comovido artigo do jornalista Pablo Meléndes-Haddad, fã assumido do tenor e orgulhoso curador da mostra. São palavras para não perder.

Carreras: 50 anos de Liceu

Pablo-Meléndez Haddad*

Em 1993, entre uma cerveja e outra em plena Rambla, comentava com um amigo o regresso de Josep Carreras ao Liceu na ópera Fedora, de Umberto Giordano. O interessante é que o grande tenor voltava aos palcos do Teatro Liceu na mesma produção que, em 1988, recebera um Carreras recém-recuperado de uma leucemia que quase lhe custa a vida. Apesar de convalescente, o cantor compareceu ao Liceu como espectador, para assistir Fedora interpretada por Plácido Domingo e Renata Scotto, dois de seus amigos e companheiros de batalha, que o receberam com carinho e o obrigaram a subir ao palco do “seu” Liceu, para reencontrar-se com o público. E não só como o grande cantor que era, mas sobretudo como um ser humano que acabava de vencer a batalha contra o câncer.

Este episódio íntimo marcou não apenas a vida de um homem na plenitude de sua existência e de seu talento; foi emblemático na vida de uma estrela incomensurável do universo artístico internacional, um tenor idolatrado por meio mundo. O mesmo que, em janeiro de 1958, debutava no palco do Liceu como um simples menino cantor, na ópera El Retablo de Maese Pedro, de Manuel de Falla. Sim, faz 50 anos agora. Por isto, o Grande Teatro do Liceu organizou uma grande homenagem em honra desse catalão universal que, no próximo dia 17 de junho, oferecerá um recital aos “liceístas” – e que nesta sexta-feira inaugurará, nos salões do teatro, uma exposição que retrata esse meio século de trajetória artística, e da qual tenho a honra de ser o curador.

Carreras entrou em minha vida quase por casualidade quando, há algumas décadas, me fizeram escutar a então mais recente gravação da ópera Tosca por minha soprano favorita, Monserrat Caballe. O tenor daquela gravação era um jovem e brilhante Josep Carreras. Apesar de os dois já terem atuado juntos em várias gravações, enquanto não escutei o seu Mario Cavaradossi não me conectei àquela voz que era puro veludo - e que com seu canto comovia até as pedras, porque representava o autêntico som da paixão. Depois daquela audição veio o “enamoramento-freaky” típico do aficionado da ópera, ao descobrir o seu impressionante Werther - ao lado de uma deliciosa Frederika von Stade - e os muitos outros personagens plasmados em uma forma de interpretação única, que me marcaram como fã do gênero.

Ao fazer parte desta homenagem a Josep Carreras, terei o privilégio de lhe agradecer as muitas horas de emoções íntimas, de pequenas comoções anímicas, que me converteram na pessoa que hoje sou. A exposição, aberta entre 5 de junho e 31 de julho, retrata parte de uma história que desemboca na Fundação Internacional Josep Carreras para a Luta contra a Leucemia, o último ato desse barcelonense que beijou a glória.


* Pablo Meléndez-Haddad é jornalista e curador da exposição comemorativa dos 50 anos de Josep Carreras no Gran Teatre del Liceu de Barcelona. O artigo foi publicado originalmente no jornal digital ABC.
Meus agradecimentos à Ghislaine, criadora e moderadora do Grupo Josep Carreras no Yahoo, que tem sempre uma notícia fresquinha para nos manter ligados.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Um obrigado bilíngue - A "thank you" in two languages

Josep Carreras em seu trabalho humanitário
Foto: www.jcarreras.com

Quero registrar aqui a minha gratidão a Maria e Ellie Koppelman.
A Maria por traduzir para o inglês os posts deste blog, e a Ellie por enviar a tradução à imensa e fiel lista de correspondência dos fãs de Josep Carreras, atualmente hospedada pelo site www.voceditenore.com, da competente Jean Peccei.

O sonho de transformar este blog em bilíngue ainda não pôde realizar-se por absoluta falta de tempo, e apesar da minha alegria em ver tantas bandeirinhas de vários países entre os visitantes, sempre pensava que seria melhor se todos pudessem ler e compreender os posts.

A iniciativa de Maria e Ellie tornou isso realidade e me fez muito feliz. Essas pessoas maravilhosas se reuniram inicialmente no site www.jcarreras.com, que era cuidado com muito carinho pela incrível Sharon Herzog, uma brava canadense que não só era fã como colaborava muito com as ações filantrópicas da Fundação Carreras. Sharon faleceu em 2004 e deixou saudades, mas as amigas, em sua homenagem, não deixaram a peteca cair. Desde então Ellie Koppelman assumiu a lista e as colaboradoras se mantiveram unidas.

Com esse gesto carinhoso, as duas me incluem no grupo, ainda que indiretamente. Obrigada, meninas! Espero que este blog possa sempre colaborar, dentro do mesmo espírito que as uniu, para difusão da arte, vida e obra de Josep Carreras.

I wish to express here my gratitude to Maria and Ellie Koppelman.
To Maria, for translating this blog's posts to the English language, and to Ellie for spreading the translation to the immense mailing list of Mr. Carreras' loyal fans, presently hosted by the website www.voceditenore.com, run by the efficient Jean Peccei.

The dream of making this blog bilingual has not been possible so far because I haven't had the time to do so; although it is nice to see so many different national flags among the regular visitors, I always thought it would be better if all these people could understand and enjoy the posts.

Thanks to Maria and Ellie, the dream is now come true, and I am very happy about it. These wonderful ladies were reunited at first around the site www.jcarreras.com, run by the amazing Sharon Herzog, a brave Canadian lady who not only was a great fan of Josep Carreras, but who also contributed very much to the works of the Carreras Foundation. Sharon passed away in 2004 and left us very nice memories. But her friends did not leave her legacy to history: as a special tribute, Ellie Koppelman took charge of the mailing list and the site's team remained together.

Their touching attitude brought me in, although somewhat indirectly. Thank you so much, dear ladies! May this blog be able to contribute, under the same spirit that reunited all of you, to the divulgation of Josep Carreras' art, life, and humanitary work.