domingo, 26 de outubro de 2008

The most beautiful sound I ever heard...

Leonard Bernstein e o cast lírico de West Side Story:
Tatiana Troyanos, Kiri Te Kanawa e Josep Carreras


- Maria, Maria, Maria...
Maria, say it loud and there's music playing...
Say it soft and it's almost like praying...
Maria... I'll never stop saying, Maria... Maria... Maria, Maria...
Um exigente maestro que não espera menos que a perfeição na execução de sua obra.
- Não, não. Você tem que respirar fundo!... "I'll never stop saying Maria... Maria... e aí respira, entende? Vamos a partir de "Say it loud"...
Um tenor tenso, os olhos ansiosos, um fundo respirar.
- Maria... Maria... Maria, Maria... Maria! Ahhh....
Silêncio.
- Maestro, se não se importar eu gostaria de fazer os próximos compassos sozinho!
- Ora, vamos lá... Por que? Você estava fazendo lindamente!
Rosto contraído, olhar contrafeito. O argumento parecia que ia sair, mas...
- Você não gostaria de fazer isso amanhã? É porque a sessão está encerrada por hoje.
Com essa sentença burocrática, o manager que se encarrega de dispensar a orquestra segundo os ditames do Sindicato dos Músicos.
Partituras jogadas dentro da pasta, rosto vermelho, passos duros pelo corredor afora, portas atravessadas como se ali não estivessem. O maestro enterra a cabeça na partitura.
- Eu não acredito!...
Foi com esta emblemática cena do making-of da gravação da versão lírica de West Side Story que tomei conhecimento da existência de um tenor chamado Josep Carreras.
Escolhido a dedo pelo maestro Leonard Bernstein para, ao lado da soprano Kiri Te Kanawa e da mezzo Tatiana Troyanos, liderar o elenco de sua obra-prima numa versão que veio a ser celebradíssima, Josep Carreras era um jovem cheio de energia, com o temperamento tipicamente espanhol à flor da pele e uma voz perfeita, que esbanjava lirismo e técnica.
Fiquei encantada, em que pese o justificado (e antológico) "ataque" diante das notas que a atitude burocrática e politicamente correta da orquestra lhe roubou, num momento crucial. A voz era um veludo; a presença, enorme; a beleza física, inegável. Na minha visão, um príncipe! Extasiada, acompanhei com a máxima atenção o making-of, exibido pela primeira vez no Brasil pela Rede Bandeirantes, se não me engano em 1989 (mais ou menos um ano depois da gravação). Desde então, a voz Carreras tornou-se uma das minhas alegrias nessa vida.
Aliás, esse meu "momento mágico" está em pauta desde setembro último, quando meu
querido amigo Ricardo Leitner, assumido fã de ópera que tem se deliciado com essas minhas histórias, me presenteou com uma cópia do documentário, importada diretamente de Viena d'Áustria! Nem preciso dizer o quanto adorei.
Leonard Bernstein era mesmo um gênio. Que feliz idéia, transformar o maior de seus sucessos da Broadway numa espécie de ópera de bolso! O Romeu e Julieta do West Side, logicamente, repetiu na lírica o sucesso estrondoso alcançado em sua estréia na Broadway. E a canção "Maria", um verdadeiro hino, jamais foi interpretada por quem quer que seja com tanto sentimento, tanto virtuosismo, tanta alma! De fato, aquele foi o som mais bonito que já tinha ouvido, para ser coerente com a brilhante letra da canção.
Todo o disco, aliás, é um primor de criatividade e beleza. Mas "Maria" por Carreras é insuperável. Com que delicadeza ele vai construindo e pontuando a melodia, até que alce vôo e chegue ao auge, para depois retornar à suavidade inicial! Nessa canção, Josep Carreras abusa da perfeição de sua excelente forma vocal, alternando-se entre os seus inesquecíveis pianíssimos e agudos irretocáveis, nos momentos certos.
"Maria" é uma das canções que incluí no meu aparelho de mp3 - que, usado com parcimônia em função dos possíveis riscos à audição, às vezes pode ser um bom companheiro de viagem. Adoro aquele começo que quase não se ouve, o "sussuro gentil" que marca a introdução e que vai crescendo, alargando-se amorosamente até encher toda a pauta musical, a sala de ensaios, a rua, o quarteirão, o mundo.
A cada vez que a escuto, "Maria" me faz evocar aquele momento: a revelação de um artista num momento de superar limites. Para mim, isso é mesmo a cara do Carreras - alguém que se superaria, e continuaria a se superar, pela vida afora.



2 comentários:

As Tertulías disse...

Fiquei emocionado. muito. como é bom, amiga, sermos filhos do mesmo tempo...
um beijo
Ricardo

Paçoca disse...

Maurette, adorei conhecer os seus bloggs, você escreve muito bem e qualquer assunto fica muito gostoso de se ler. Beijo da Paçoca