domingo, 11 de maio de 2008

Enrique Ricci

Enrique Ricci - Foto: Divulgação

Josep Carreras sempre soube muito bem o quanto é importante, para a carreira de um tenor, a colaboração com grandes maestros. A convite de Herbert Von Karajan e Leonard Bernstein, por exemplo, deu saltos importantes em sua trajetória operística, dos quais há registros extraordinários.
Em seus inúmeros concertos, seja ao piano ou com orquestra, tem sabido escolher colaboradores de extrema qualidade e confiança, com os quais tem uma troca profunda e harmoniosa, visível mesmo.
Dentre esses quero destacar, em especial, o maestro Enrique Ricci.
Sob sua regência, tive o prazer de assistir a seis concertos de Josep Carreras; dois em Buenos Aires em 1991, dois no Brasil em 1993 (Curitiba e São Paulo), uma memorável apresentação no Hipódromo de San Isidro, em Buenos Aires, em 1994 - e mais um agora, em Curitiba, no dia 29 de março. E devo dizer que o maestro é uma dessas pessoas que tem o dom da claridade em tudo o que faz.
Na relação com os músicos, percebe-se logo um traço de verdadeira humildade, em meio à simpatia e o jeito acolhedor de ser. Talvez por isso o trabalho flua tão agradavelmente, aos olhos e aos ouvidos de quem assiste, por exemplo, a um ensaio. Em momento algum se escuta um grito ou se vê a mínima atitude desrespeitosa: profissional, preciso e exigente como é natural, Enrique Ricci trata a todos com a máxima cortesia e amabilidade. Não há nada, sequer de longe, parecido com aqueles relatos tenebrosos que ouvimos sobre certas estrelas internacionalmente celebradas, que parecem incorporar o mau-humor e o temperamento difícil ao seu currículo.
Há claridade, também, no ato de reger. Seja qual fôr o tempo da obra, seja qual for a energia que cada andamento pede, há uma estranha luz a abrir os sons, uma verdade intrínseca que ele comunica à orquestra, com seu entusiasmo e conhecimento. Lembro-me que, há quinze anos, em Curitiba mesmo, uma OSB encantada revelava o seu prazer em tocar sob sua batuta, acostumava que estava aos muitos coices coroados recebidos pelo caminho.
Enrique Ricci é um homem de modos antigos, encantadores. Faz tudo com método e um enorme sorriso. Paciente ao extremo, conhece logo as pessoas, fruto de seu talento para observar. E aquelas de quem gosta são imediatamente alçadas a uma espécie de círculo protetor, na sua maneira calorosa e abrangente de demonstrar afeto.
Fico encantada em ver como ele trabalha com os cantores. Com Josep Carreras a relação de confiança é tanta que, com uma simples troca de olhar, ambos sabem o que cada um espera do outro. Ao longo dos vários anos que os tenho visto juntos, é um prazer ter a oportunidade de testemunhar esses momentos de verdadeira arte, profissionalismo e respeito entre regente e intérprete.
Em nossa longa história de amigos, houve um tempo em que me mandava cartões postais de todas as partes do mundo. Com que alegria eu recebia aquelas simpáticas manifestações de amizade! Um cartão postal é uma coisa antiga que adoro. Por pequeno que pareça o gesto, é grande em simbolismo: aquela pessoa esteve num bonito lugar, lembrou da gente e fez questão de deixar isso claro.
Aprendo sempre com ele, observando sua maneira de trabalhar, suas convicções pessoais e valores - que, após anos e anos, permanecem os mesmos. Assim como o seu inesgotável entusiasmo para com a vida, sua prodigiosa memória e o carinho sempre farto para com os amigos do coração. Enrique Ricci não é somente um grande artista, mas uma grande pessoa. Com certeza é por isso que Josep Carreras lhe tem tanto carinho e respeito, sentimentos que se refletem no seu desempenho juntos.
Nosso reencontro recente trouxe-me aquela alegria silenciosa e intensa de saber que o tempo não altera a verdadeira cumplicidade que temos com determinadas pessoas; seja qual for o intervalo, a cada vez é como se fosse sempre.

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