sábado, 3 de maio de 2008

Jornada rumo às Missões

São Miguel das Missões
Foto daqui

Alguém já pegou um ônibus da Pluma para ir do Rio até o Rio Grande do Sul? Mais precisamente, até São Miguel das Missões?

Pois eu já. E afianço que não é missão das mais fáceis. São mais de 24 horas na estrada, com algumas paradas e pouco descanso. As rodovias, vá lá, são boas. As paisagens do sul, agradáveis, com seus campos cultivados e geometrias inovadoras. Mas é muito tempo, é bem longe - e cansa mesmo, ainda que haja uma boa motivação para a viagem.

No final de 1997, embarquei no dito ônibus na rodoviária de Resende, Estado do Rio, por volta de uma da tarde. Josep Carreras faria um concerto histórico em São Miguel, dois dias depois, tendo como cenário as emblemáticas ruínas das Missões. Naquele momento o custo da viagem aérea era inviável para mim, mas perder o concerto, isso sim era impensável. Então vamos lá, força e coragem; encarei o ônibus.

No princípio tudo são flores; dei conta da tarde com galhardia e até algum prazer. Com a noite veio o sono, porque eu tenho o hábito contumaz de confiar nos motoristas e sonhar. Mas o dia seguinte fui dureza; os atrasos sucessivos nas paradas me deixavam nervosa porque não queria perder a entrevista coletiva, que gosto de assistir sempre, para saber das novidades e, se possível, fazer uma ou outra pergunta sobre as atividades da Fundação Carreras.

Confesso que, naquela viagem, minha paciência foi testada inúmeras vezes. A última parada, em Ijuí, foi a gota d'água do meu desespero: a coletiva pipocando e eu presa ali por um tempo enorme, esperando um não-sei-o-quê que o ônibus precisava levar.

Resultado: quando cheguei ao hotel em Santo Ângelo, todo mundo já estava em São Miguel, na coletiva. Atirei as malas no quarto, agarrei um táxi e percorri os para mim muitos quilômetros até o local da entrevista e cenário do concerto. Quase que não me deixam entrar, mas fui salva por um gongo chamado Luciana, a representante da Warner, que dividia o quarto no hotel comigo e Margarida.

É chato para qualquer jornalista chegar atrasado em coletiva. Mas paciência, não teve jeito mesmo. Carreras viu tudo e cumprimentou-me de leve. Procurei um assento obscuro e concentrei-me para assistir. Após uns vinte minutos de papo, senti-me em condições de perguntar sobre a Fundação Carreras... e ouvi um "ohhh" em volta. Coisas de gente atrasada; a pergunta já tinha sido feita! Mas Carreras aproveitou o ensejo e levantou a questão do banco de cordão umbilical, o que amenizou o mico e, para minha informação, foi muito útil.

(No dia seguinte eu teria o desprazer de ver o fato comentado numa coluna do principal jornal da cidade, por sorte sem a identificação da protagonista. Mesmo contrariada, tive de admitir que o colega que escreveu não poderia perder uma chance assim, não é?)

Terminada a entrevista, Carreras e eu conversamos um pouquinho antes da passagem de som. Ao me ver, tirou do bolso o fax que eu lhe enviara, para informar sobre umas pendências envolvendo o Registro de Doadores de Medula Óssea no Brasil. Mais um sinal de sua habitual atenção e cortesia.

Do ensaio fomos "expulsas", mas por sorte havia um bar em frente, com visão total do palco. Ali nos sentamos, eu, Margarida e Carmem, para um empolgante café ao som da voz de Josep Carreras. A noite chegava, não propriamente fria. As estrelas vieram, sem timidez alguma, escutar a música. Foi Margarida quem deu o tom daquele momento singular:

- Não é incrível nós estarmos aqui, com a lua e as estrelas, ouvindo o nosso Carreras cantar nesse lugar tão lindo? E quase que só pra nós?

Sorrimos, concordando, e saboreamos o café, envolvidas pela aragem e pela música. Nossa missão nas Missões apenas começava.

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