sexta-feira, 16 de maio de 2008

No Instituto Nacional do Câncer (Rio, 1996)



Carreras cantou no Rio de Janeiro em março de 1996, e um tanto ou quanto fora do que seria, a meu ver, o seu habitat natural, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Apresentou-se no antigo Metropolitan, na Barra - que depois virou Claro Hall e hoje nem sei mais como se chama, ao lado da soprano Ana Maria Gonzalez e sob a regência do maestro David Gimenez, seu sobrinho. A proposta era comemorar o aniversário da cidade.

A coletiva, dois dias antes, aconteceu no Morro do Pão de Açúcar - e com presença de... Romário! A essa altura o craque já não estava mais no Barcelona, mas Carreras - um confesso apaixonado por futebol e fã de Romário a ponto de contratá-lo para o seu time do coração - fez questão de convidá-lo.

O momento mais tocante, porém, foi a visita ao Instituto Nacional do Câncer, o emblemático INCA, um hospital público que, apesar de todas as dificuldades que sempre enfrentou, trata todos os pacientes de modo igual e realiza milagres no tratamento do câncer no Brasil.

O pequeno grupo de convidados aguardava numa sala de espera, no andar térreo, onde algumas crianças, pacientes de leucemia, esperavam o momento de saudar Carreras. Senti-me apequenar no modesto sofá, enquanto observava o extremo carinho com que enfermeiras e atendentes tratavam todas elas, a conversa animada e orgulhosa de algumas mães, sorrindo, resistindo bravamente em meio a tanta luta e tristeza. E pensei em como há seres humanos verdadeiramente grandes no mundo, como aquelas crianças, suas famílias e o pessoal do hospital. Ali conheci Margarida, grande amiga e quase irmã, o melhor exemplo que conheço de entrega, mobilização e compromisso com a causa da leucemia, por obra e graça do exemplo de Josep Carreras.

No único lance lamentável, o então secretário de Carreras, um senhor alemão que não fazia a menor questão de ser educado com ninguém, começou a gritar descontroladamente com uma das responsáveis pelo serviço. E ela, com toda a tranqüilidade e educação, deixou claro que, no que dizia respeito ao espaço e à segurança dos doentes, quem mandava mesmo era a equipe do hospital.

Mas isso foi antes de Josep Carreras chegar, vindo de uma visita aos doentes acamados, num dos andares superiores. Aí instaurou-se uma aura muito diferente, que tinha a ver com paz, com compromisso, valores, fé, certezas. E amor para compartilhar com quem mais precisa.

Um silêncio profundo e respeitoso tomou espaço durante a homenagem. E Carreras emocionou-se muito. Nem mesmo tentou esconder; só vez em quando retesava a garganta, num gesto muito seu, quem sabe para segurar forças ainda maiores, lembranças talvez. Olhei-o longamente e não pude deixar de sentir orgulho por poder estar ali, naquele momento, e testemunhar comovida a sua dedicação e entrega.

Passada a essência, repórteres brotavam de toda parte. Os três seguranças alemães que acompanhavam o tenor, solenes e profissionais, entraram em ação para garantir um espaço mínimo para que ele pudesse atender a todos. Um deles, gentilmente, conduziu Margarida - que é pequena e estava para ser engolida pelas equipes de tv - para mais perto de Carreras, que esboçou o seu velho conhecido meio-sorriso de cumplicidade.

Saímos dali com a alma lavada, para saborear no jantar as expectativas do concerto que ainda estava por vir.

E foi um lindo concerto, isso sim! Eu e Carmen tínhamos os melhores lugares do mundo: fila A, poltronas 1 e 2. O autêntico gargarejo! Mal podíamos acreditar na sorte. De acordo com a disposição das cadeiras, estávamos as duas literalmente à frente do microfone de Carreras. E Margarida logo atrás, na fila AA (talvez o único episódio da história em que a Fila B era, na verdade, a terceira!).

Tratamos, pois, de aproveitar a noite, a força do momento e a inigualável companhia da voz e do brilho de Josep Carreras, ao vivo e a cores. Isoladas como estávamos numa espécie de pódio particular, não percebíamos o resto à nossa volta; viajávamos soltas pela música e, naquele clima, podíamos até imaginar que o concerto fosse, afinal, só para a gente...

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