terça-feira, 22 de abril de 2008

Buenos Aires, 1991 - A chegada

Amanhecer em Buenos Aires
Foto daqui

Mês de julho, um frio horrível mas incapaz de conter as esperanças que transbordavam das minhas malas. Ia ver Carreras! O sonho que crescera tanto dentro de mim, e parecia impossível, ia realizar-se em algumas horas.
Confesso que a ficha relutou muito, até cair. No avião, uma espécie de eletrola mental reproduzia Piazzolla sem parar dentro da minha cabeça, Años de soledad, Sur e todo o repertório do disco feito com Gerry Mulligan. Até eu chegar às ruas da cidade, ao burburinho de uma tarde normal na grande metrópole, eu não entenderia de fato o quanto aquela música tinha cheiro, gosto, tempero mesmo daquela gente.
Tinha contratado um traslado que me deixou exatamente em O'Higgins, 1849, no bairro de Belgrano, onde viviam Clara e Mário. Os queridos pais de Cláudia me receberam como filha, na melhor tradição de quem tem vivência em programas de intercâmbio.
Na mesma tarde, Clara me acompanhou até o centro da cidade, refinado, europeu, movimentadíssimo. Passei na sucursal do Jornal do Brasil, onde fui propor uma matéria sobre os concertos de Carreras (jornalista faz pauta o tempo todo) e depois fui ao encontro da Sra. Jutta Olsson, na Fundação Teatro Colón.
A entrada na Av. Cerrito, atrás do teatro, era simples e requintada. Fiz-me anunciar e fui prontamente recebida.
Jutta Olsson era uma alemã típica, alta, loura, bem vestida e de idade indefinível. Trocamos os cumprimentos de praxe, recebi e paguei os ingressos, conversamos amenidades. Foi então que, distraidamente e do alto da sua experiência, perguntou-me:
- Você não quer ir esperar José no aeroporto, quer?
(Demorei uns segundos para acreditar no que ouvia. Mas foram só uns segundos).
- Claro que sim, responderam meus olhos atônitos e brilhando de felicidade.
- Então esteja na minha casa às cinco da manhã - disse, enquanto anotava o endereço num papel.
O pai de Cláudia, coronel da reserva, cultivado e elegante, fez questão de me levar. Já não lembro o endereço, minha memória galopa neste blog mas não chega a tais minúcias; só sei que era numa praça retangular, bem cuidada. Toquei a campainha e fui admitida no seleto mundo daquela figura ímpar. Móveis antigos, quadros, elegância. Sobre o piano, várias fotos. Detive-me numa delas, um instantâneo com Carreras e algumas outras pessoas, na Europa.
Logo a seguir chegou Facundo, um rapazinho de uns 14 anos talvez, que estudava canto e era uma espécie de discípulo dela, na companhia da elegante Estela Berisso e seu marido, ambos amigos da dona da casa. E lá fomos nós para Ezeiza, acompanhados dos primeiros rasgos da fria e rosada aurora de uma inesquecível manhã de julho, prestes a iluminar um sonho.

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