domingo, 20 de abril de 2008

Ricardo Pereira

Solistas da primeira montagem de Tosca, de Puccini:
Hariclea Darclée (Tosca), Emilio De Marchi (Cavaradossi),
Eugenio Giraldoni (Scarpia)


Na semana passada reencontrei casualmente meu grande amigo e mentor Ricardo Pereira em Botafogo. Deve ser de tanto que tenho pensado nele, desde que comecei este blog.

Ricardo é um desses raros personagens de alma generosa e natureza modesta, quase anônima. Em matéria de ópera, foi o meu grande formador, professor, companheiro de saudáveis delírios. E uma das primeiras pessoas que conduziu meus passos hesitantes na direção de Josep Carreras.

Foi o maestro D'Angelo, ensaiador do coro do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, quem me deu o seu telefone. - É a pessoa que mais conhece ópera - sentenciou. - Sei que terá prazer em ajudar.

E teve mesmo. Não só prazer, mas carinho, presença e interesse. Ensinou-me tudo, gravou fitas, emprestou discos raros, recomendou obras... A longa e prazerosa amizade com Ricardo foi além de qualquer curso superior, mestrado ou doutorado que eu decidisse freqüentar. Através dele conheci as óperas, os intérpretes e regentes antigos e novos, os estilos, as épocas, a história. Ricardo repartiu comigo também os amigos, todos operísticos e competentes: Samuel, Carlos Bouzas, Roberto Kovacz, Sergio Nepomuceno... Foi um período de intensa aprendizagem, troca e paixão pela música. O interesse inesgotável que tinha por Carreras estendeu-se a todo o universo da ópera, frutificou, floresceu.

Ricardo é pessoa de rara delicadeza, de uma distinção imensa. Poderia ser, ele mesmo, personagem de uma ópera! Casado com Marina, tem três filhos cujos nomes homenageiam a lírica: Floria (Tosca, obviamente), Leonora (da Forza del Destino) e Riccardo (de I Puritani). Conheci-os adolescentes, mas no recente encontro soube que Floria já está casada, Riccardo trabalha na TV Globo e Leonora acaba de se formar.

Ricardo sempre partilhou comigo o gosto pela voz e pelo estilo de Carreras. Talvez por isso tenha se dedicado tanto à paciente tarefa de me ensinar, mostrar gravações diversas para que eu pudesse comparar, discorrer sobre a semelhança com Giuseppe Di Stefano e muito mais. Com toda certeza, sua visão contribuiu muito para que eu compreendesse, mais e mais, Josep Carreras no conjunto de sua obra, presença e personalidade.

Diante de minhas lágrimas compulsivas e inexplicáveis quando ouvi pela primeira vez a canção Parlami d'amore, Mariù com Carreras, Ricardo pacientemente me preparou uma fita com todas as gravações que possuía, com vários tenores, para ver se me curava daquela malinconia.

Lembro que em 1991, em Buenos Aires, consegui comprar-lhe um exemplar do já então raro Cantar con el alma, cuja história já contei aqui. Num dos encontros com Carreras, pedi que autografasse para Ricardo e contei a história dos nomes de seus filhos. Falei sobre as meninas e, antes de chegar ao rapaz, Carreras arregalou os olhos e perguntou: - Meu Deus, e o garoto, se chama Radamés???

Ricardo adorou o presente - e lembrou-se de me dizer que ainda está num lugar de honra em sua estante.

No reencontro, abraçamo-nos muito comovidos na rua. Aproveitamos o momento e demos uma volta para relembrar os velhos tempos; contei sobre Curitiba, ele perguntou como estava Carreras, eu respondi que estava muito bem. Por algum tempo, ficamos a dividir as pequenas felicidades musicais que ainda nos encantam. E prometemos - claro! - nos ver novamente, ao som de uma ou outra ária.

Ricardo Pereira, meu querido amigo, foi e sempre será uma das principais referências do caminho que trilhei até Josep Carreras.

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