Discordo disso, sempre discordei. Na qualidade de fã e também do ponto de vista sociológico. É certo que há tantos tipos de fã quanto há tipos de gente; por isso mesmo, não vale generalizar. Mas é preciso convir que o fã é um fenômeno importante na sociedade.
O que seria dos artistas sem os fãs? Sem a energia fiel e constante daqueles que os admiram? Há uma simbiose complexa nisso: subir ao palco, oferecer o melhor a quem deseja sorver esse melhor. Do outro lado, enfrentar fila, sair horas antes de casa - muitas vezes de ônibus - só para ter a alegria de estar presente no mesmo recinto, receber a oferta daquele melhor no qual o artista se esmerou e guardá-la no coração. E talvez mais tarde esperar pacientemente à saída, agüentando o mau humor congênito que parece acometer os seguranças e os secretários de muitos artistas, só para buscar um sorriso, um autógrafo, uma foto quase eterna.
Decerto que há gente louca, que não conhece limites; gente obsessiva, gente que suga, que quer consumir o objeto amado na esperança de transformar-se nele, de sorver o seu talento sem saber ao certo o que faria se o conseguisse. Desse tipo de fã eu fujo sempre. E é fácil identificar essas pessoas trocando meia dúzia de palavras, ou observando a expressão em seus rostos. Em muitos casos, porém, os fãs são pessoas ternas e dadivosas, prontas a cuidar e proteger. Pessoas do bem, que só querem o bem de seus artistas.
Desde quando o Josep Carreras começou a mexer com a minha alma, tive vontade de conhecê-lo. Penso que, em princípio, existe uma instância em que os seres humanos são iguais; podem olhar-se nos olhos, falar de coisas simples, ter tempo para enxergar-se. Na verdade nunca me dei muito ao trabalho de me perguntar por que razão o Carreras iria querer enxergar-me, mas sempre achei isso perfeitamente possível. Eu sabia o que tinha dentro para oferecer, e era bom; e sempre estive certa de que ele, de algum modo, receberia.
Mas reconhecia que as chances eram remotas: a Europa longe e cara, a vida muitas vezes difícil... Tratei pois de conhecê-lo pela música, aprofundando-me o máximo que podia. Conversava com amigos, lia, ouvia, ia buscar a informação onde estivesse. Pouco a pouco fui travando contato com pessoas que, com sua generosidade, contribuíram para situar-me no tempo e no espaço com relação à sua obra. Eu sempre tinha um pensamento bom para ele, fruto daquela intimidade fictícia que o costume instala entre público e artista. Não é maldade, é apenas natural: fala-se "o Carreras" como se todas as semanas tomássemos café juntos na mesa da cozinha (para mim, freqüentar a cozinha da casa de alguém é algo perto do máximo de intimidade). Como se o objeto da nossa admiração fosse uma espécie de parente e não estivesse, afinal, a tantas milhas de distância em inúmeros sentidos.
Mal eu sabia que o dia do primeiro encontro não estava, afinal, tão longe assim.
Mas isso já é tema para um outro capítulo.
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