quarta-feira, 2 de abril de 2008

Ser fã

Concerto dos Três Tenores
São Paulo, Morumbi, julho de 2000 - Foto: arquivo pessoal


A palavra costuma vir acompanhada de uma expressão algo pejorativa, um certo tom minimizante, como se fosse feio, indigno ou mesmo uma infantilidade admirar um artista ou uma personalidade qualquer.

Discordo disso, sempre discordei. Na qualidade de fã e também do ponto de vista sociológico. É certo que há tantos tipos de fã quanto há tipos de gente; por isso mesmo, não vale generalizar. Mas é preciso convir que o fã é um fenômeno importante na sociedade.
O que seria dos artistas sem os fãs? Sem a energia fiel e constante daqueles que os admiram? Há uma simbiose complexa nisso: subir ao palco, oferecer o melhor a quem deseja sorver esse melhor. Do outro lado, enfrentar fila, sair horas antes de casa - muitas vezes de ônibus - só para ter a alegria de estar presente no mesmo recinto, receber a oferta daquele melhor no qual o artista se esmerou e guardá-la no coração. E talvez mais tarde esperar pacientemente à saída, agüentando o mau humor congênito que parece acometer os seguranças e os secretários de muitos artistas, só para buscar um sorriso, um autógrafo, uma foto quase eterna.

Decerto que há gente louca, que não conhece limites; gente obsessiva, gente que suga, que quer consumir o objeto amado na esperança de transformar-se nele, de sorver o seu talento sem saber ao certo o que faria se o conseguisse. Desse tipo de fã eu fujo sempre. E é fácil identificar essas pessoas trocando meia dúzia de palavras, ou observando a expressão em seus rostos. Em muitos casos, porém, os fãs são pessoas ternas e dadivosas, prontas a cuidar e proteger. Pessoas do bem, que só querem o bem de seus artistas.

Desde quando o Josep Carreras começou a mexer com a minha alma, tive vontade de conhecê-lo. Penso que, em princípio, existe uma instância em que os seres humanos são iguais; podem olhar-se nos olhos, falar de coisas simples, ter tempo para enxergar-se. Na verdade nunca me dei muito ao trabalho de me perguntar por que razão o Carreras iria querer enxergar-me, mas sempre achei isso perfeitamente possível. Eu sabia o que tinha dentro para oferecer, e era bom; e sempre estive certa de que ele, de algum modo, receberia.

Mas reconhecia que as chances eram remotas: a Europa longe e cara, a vida muitas vezes difícil... Tratei pois de conhecê-lo pela música, aprofundando-me o máximo que podia. Conversava com amigos, lia, ouvia, ia buscar a informação onde estivesse. Pouco a pouco fui travando contato com pessoas que, com sua generosidade, contribuíram para situar-me no tempo e no espaço com relação à sua obra. Eu sempre tinha um pensamento bom para ele, fruto daquela intimidade fictícia que o costume instala entre público e artista. Não é maldade, é apenas natural: fala-se "o Carreras" como se todas as semanas tomássemos café juntos na mesa da cozinha (para mim, freqüentar a cozinha da casa de alguém é algo perto do máximo de intimidade). Como se o objeto da nossa admiração fosse uma espécie de parente e não estivesse, afinal, a tantas milhas de distância em inúmeros sentidos.

Mal eu sabia que o dia do primeiro encontro não estava, afinal, tão longe assim.

Mas isso já é tema para um outro capítulo.

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