sábado, 5 de abril de 2008

Curitiba: ensaios em dois tempos

Josep Carreras e Enrique Ricci no ensaio de 28/3
Foto: Maurette Brandt



Curitiba, Paraná, 28 de março, 2008.
Na companhia de meu grande amigo, o maestro Enrique Ricci, chego pela primeira vez ao Teatro Positivo, que será inaugurado amanhã, 29, em noite de gala, num concerto que reunirá o tenor Josep Carreras, a soprano chilena Verónica Villaroel e a Orquestra Sinfônica do Paraná, sob a regência de Enrique Ricci.

O teatro impressiona pela monumentalidade. Faz parte de um complexo educacional que reúne a Universidade Positivo e demais empresas do grupo que, nos últimos anos, tem firmado sua marca na área da educação. Segundo a placa em aço escovado afixada no imponente hall de entrada, a arquitetura é inspirada no teatro de Epidaurus, pequena cidade da Grécia Antiga considerada a terra natal de Apolo e seu filho Asklepios, que com seus poderes curadores trouxe prosperidade à região. O imenso teatro ao ar livre, construído por volta do ano 4 A.C., encantava Pausânias por sua simetria e beleza - e, em tempos recentes, voltou a ser usado para apresentações teatrais e grandes eventos.

Acomodo-me na quarta ou quinta fila para ter uma boa visão do palco, na parte que nesse ensaio está destinada aos artistas, pessoal de produção e uns poucos convidados. O maestro Ricci, uma das pessoas mais agradáveis deste mundo, e que consegue conciliar essa característica com um estupendo profissionalismo, conversa com a orquestra, auxiliado pelo spalla, e acerta detalhes mínimos de algumas introduções e trechos mais complexos. Os ensaios gerais tinham começado na quarta-feira, portanto estava tudo praticamente pronto.

Josep Carreras e Verónica Villaroel chegam após o primeiro intervalo. Com a garganta sempre protegida por uma elegante écharpe, como sói, Carreras distribui sorrisos bem-humorados a todos. Sente-se no ar um aconchego, uma tranqüilidade que parece contagiar a equipe. Preocupados, mesmo, só o diretor do teatro e seu grupo de seguranças; afinal, era preciso garantir aos artistas o espaço necessário para trabalharem em paz. Mas isso não foi difícil, em terra de gente educada e respeitosa.

Durante o ajuste do som, Carreras sentou-se em diferentes lugares do teatro enquanto Verónica Villaroel cantava, para verificar a qualidade da propagação do som. Quando ele cantava, era a vez de Verónica subir e avaliar. Nessa parceria e com a ajuda dos técnicos de som, todos os detalhes foram acertados para a grande noite que os esperava, no dia seguinte.

Brincadeiras não faltaram. O sorriso franco, a expressão feliz e o bom humor marcaram a excelente fase artística e pessoal de Josep Carreras. Ao final, participou alegremente das fotos com praticamente toda a orquestra (quem disse que só há fãs do lado da platéia?), cordial e sempre brincalhão. Profissionalíssimos, tenor e soprano só deixaram o recinto após receber a vênia do maestro. Estava pronto o espetáculo.

Curitiba, 2 de abrll, 1993. Acompanho meu amigo Enrique Ricci em uma inspeção noturna à Pedreira Paulo Leminski, palco da primeira apresentação de José Carreras no Brasil, para comemorar os 300 anos da cidade. O maestro queria verificar as últimas providências relativas à sonorização do fantástico espaço aberto onde se daria o hoje emblemático Concerto de Curitiba. Ainda faltava muito; um número enorme de pessoas trabalhava incessantemente na montagem de som e na iluminação. A equipe de som contratada para o evento era a mesma que sonorizou as Termas de Caracala, em 1990, para o histórico primeiro concerto dos Três Tenores; na iluminação e ambientação, a mão de mestre de Rosa Magalhães, que trouxe cores especialíssimas a uma noite memorável.

Enrique Ricci, incansável, paciente e meticuloso com sua arte, passou horas envolvido com os trabalhos. Coube a mim observar atentamente tudo o que acontecia, como o faria qualquer bom jornalista que tivesse uma oportunidade daquelas. O privilegiado espaço da Pedreira Paulo Leminski, cortado pelos fachos de luz orquestrados por Rosa Magalhães e pelos acordes da Orquestra Sinfônica Brasileira, era uma visão magnifica. E isso ainda no corre-corre da véspera, imaginem...

Curitiba, 3 de abril, 1993.O ensaio final ocorreu na manhã do dia do concerto, e para lá segui com uma das assessoras de Miriam Dauelsberg, presidente e fundadora da Dell'Arte, talvez a maior referência deste país em música clássica internacional. Tinha a incumbência de entregar pessoalmente a Josep Carreras uma coleção muito antiga de partituras de Alberto Nepomuceno, a mim confiadas pelo amigo Sérgio Nepomuceno. Graças à produção, pude compor o grupo que acompanhou Carreras em sua visita aos primorosos camarins subterrâneos e a todo o conjunto do palco. E assisti ao ensaio na coxia. A OSB estava visivelmente encantada, não só por acompanhar Josep Carreras como também com a educação e a competência do maestro Enrique Ricci. No primeiro intervalo, Carreras fez-me um sinal para que me aproximasse. Adiantei-me, conversamos brevemente e eu lhe entreguei a delicada encomenda, que o deixou verdadeiramente sensibilizado.

O ensaio prosseguiu num clima alegre, vibrante. O tempo estava enfarruscado e o temor de chuva não estava de todo afastado; mas São Pedro, que também deve ser brasileiro e, mais que isso, fã de ópera, já estava tratando de preparar para Curitiba a mais bela noite de todos os seus então trezentos anos de vida. Noite que tanto o maestro Ricci como Josep Carreras reputariam como uma das mais emocionantes de suas carreiras.

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