quarta-feira, 2 de abril de 2008

Preferências afetivas

Josep Carreras como Andrea Chénier - Foto: www.jcarreras.com

Do repertório de Josep Carreras, tenho alguns "afetos musicais" de primeira hora. São justamente as lembranças dos primeiros discos que comprei.

Nos idos de 90 tudo era mais difícil; para conseguir um aparelho de cd foi preciso um esforço imenso! Acabei dando sorte porque um amigo me trouxe um portátil Sony do Paraguai (e original, por mais incrível que isso possa parecer).

Em setembro de 1990 fui para São Paulo visitar a Bienal do Livro. Aqui no Brasil tem Bienal todo ano - isto porque ambas as Bienais, do Rio e de São Paulo, acontecem em anos alternados. Aproveitei a ocasião para procurar um LP do Carreras. Claro que isso foi antes de eu possuir o meu modesto cd-player. Saí a fuçar nas mais antigas lojas do centro da cidade e deparei-me - pasmem! - com o mesmíssimo disco de canções que havia escutado na casa do meu primeiro mentor operístico, o engenheiro Linhares. Comprei no ato e trouxe-o na viagem de volta com mil e um cuidados. Meu primeiro Carreras! Ainda o tenho perfeito; devo informar que o vinil não furou e ainda me dá alegrias quando, ocasionalmente, tenho o prazer de revisitá-lo. Sim, possuo um toca-discos admirável, todo restaurado, que me torna possíveis tais prazeres.

Pouco tempo depois, já incorporada à era do cd, encontrei no Rio de Janeiro a Misa Criolla. Até hoje tenho ímpetos de fazer um minuto de silêncio quando penso nessa maravilhosa obra, que me emocionou profundamente desde as primeiras audições. E perdura a forte impressão de que jamais a voz de Josep Carreras soou tão cristalina e bela em qualquer outra gravação. Com certeza devia haver anjos e mais anjos na platéia, talvez invejosos da beleza de tudo aquilo. E com a Misa Criolla veio também a devoção pela obra de Ariel Ramirez, que até então conhecia apenas pela canção "Alfonsina y el Mar".

Minha terceira aquisição - uma verdadeira loucura, pois naquela época os cds importados eram caríssimos - foi a ópera Andrea Chénier completa, com Carreras ao lado de Eva Marton. É engraçado imaginar uma pessoa com fones de ouvido pela rua - cena aliás comum hoje em dia - ouvindo compulsivamente uma ópera completa, e nesse caso particularmente difícil e pesada. Pois eu fazia isso em todos os lugares, para desespero da minha mãe, que imagino tenha pensando em internar-me...

Amo Andrea Chénier por várias razões. E uma delas foi recordar a minha "febre" de Revolução Francesa. Sim, também a tive! Quando estava pelos onze anos de idade, interessei-me por escrever um produto típico da nossa cultura: uma novela - e ainda por cima de época. E qual foi o tema que escolhi? A vida de Maria Antonieta...

Lembro que meu pai sorriu diante das minhas pretensões e fez a melhor ponderação possível, dadas as circunstâncias:

- O que é que você sabe sobre a Revolução Francesa?

- Nada... - foi a acanhada resposta.

- Pois então vá ler - recomendou.

Bem, fui ler. Na tímida porém bem montada biblioteca pública de Barra Mansa, minha cidade natal, comecei o que seria uma longa imersão nas Memórias de um Médico, o relato em 21 volumes que Alexandre Dumas, pai, fez da Revolução. A obra se inicia no período de Luís XIV, atravessa o Terror e chega à consolidação das conquistas democráticas.

Não foi uma leitura fácil, embora me fascinasse imediatamente. Concluí o trabalho em três períodos; uma parte dos 11 aos 14 anos, outra dos 18 aos 20 mais ou menos e o restante após os 25 anos. A intenção da novela ficou pelo caminho, mas o tema instalou-se dentro de mim. E quando a paixão pela voz de Carreras me trouxe Andrea Chénier, foi na verdade um belo reencontro. Afinal, eu já tinha vivido alguns dos principais momentos da ópera, nas páginas de Dumas!... Mas devo dizer que a história da França me pareceu muito mais bonita quando a ouvi cantada por Josep Carreras, Eva Marton e Giorgio Zancanaro.

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